Capítulo 1 - O Corredor
Segunda-feira, 15 de fevereiro de 2013: entrevista no
gabinete do prefeito às 10 horas da manhã.
Desativei o
alarme do meu celular e o guardei dentro da bolsa. Estava tudo certo para a
entrevista de estágio e não me sentia nem um pouco nervosa.
Sophie, sua mentirosa!
Mentir de frente
para o espelho é muito mais difícil. Já era a terceira vez que eu repetia que
não estava nervosa. Se nem eu mesma conseguia acreditar, quem o faria?
O
nervosismo não era por causa do salário em jogo, afinal, por causa das minhas
boas notas no colegial, ganhei uma bolsa integral que custeava meu curso de
Ciências Sociais desde o primeiro período. E o meu lema sempre foi não estudar
e trabalhar ao mesmo tempo (não dá para ser perfeito em tudo) e os estudos
sempre foram minha prioridade. Com eles eu teria meu futuro. Portanto, acho que
já deu para perceber que se dependesse única e exclusivamente da minha vontade
jamais teria me inscrito para aquela entrevista.
Entretanto, a
coordenação do curso não compactuava com a minha ideia de que trabalho e estudo
não caminham juntos e, por isso, a base para o TCC (trabalho de conclusão de
curso, aquele sem o qual você não recebe o diploma) tinha que ser prática.
Preciso
acrescentar mais um ingrediente ao meu nervosismo e à minha necessidade em
arranjar um estágio! Havia um projeto de pesquisa com um dos melhores
professores da graduação e só poderiam participar os alunos que obtivessem as
melhores notas em seu TCC. E eu queria muito isso! Consequentemente eu queria
muito o estágio!
Além do que, era
o gabinete do prefeito. Poderia aprender muita coisa lá.
— Querida? Seu
pai está esperando.
Mamãe abriu a
porta do quarto para lembrar-me da carona do papai. Talvez eles achassem que eu
estava nervosa o suficiente para me perder no centro da cidade, mas utilizaram
uma justificava bem plausível: o trabalho dele ficava a uns quinze minutos da
prefeitura e não custava nada levar a filha na primeira entrevista de emprego.
E eu sempre tinha que corrigi-los: “estágio não é emprego”.
— Boa sorte!
Sabe que não precisa ficar nervosa. O que tiver que ser será. – ela passou a
mão pelos meus cabelos ruivos. — Tome cuidado. Onde há muito dinheiro há muita
sujeira.
Certo! Acho que
já tinha muitas coisas para me preocupar e não queria acrescentar a sujeira com
a qual mamãe se importava.
Antes de sair
passei um pouco de blush em minhas bochechas para esconder possíveis rubores.
Nunca pude exagerar nesse quesito por causa dos meus cabelos ruivos e da minha
pele tão branca. Não queria ser chamada de “camarão” ou qualquer outra coisa do
tipo. Não que fosse levar desaforo para casa. Era apenas porque não queria ter
que responder a Deus e ao mundo.
…
O sinal mais
próximo à prefeitura ficou vermelho e aproveitei a oportunidade para pedir que
papai me deixasse ali mesmo. Do modo como eu o conheço se o deixasse estacionar
o carro, com certeza, iria querer me levar até o andar da entrevista.
Sua única filha,
que ele julgava muito mais bonita do que os homens ao redor realmente achavam,
e que ele precisava proteger com todas suas forças. Não era necessário! Os
homens não me assediavam da maneira que papai pensava...
Digamos que não
‘pedi’ para sair. Apenas avisei e segui na direção do prédio monumental da
prefeitura. Devia ter uns oito andares, com uma fachada incrivelmente bonita e
uma grande escadaria até a porta de entrada.
Peguei um crachá
de visitante e subi para o terceiro andar. Dei três batidas na porta de correr
de madeira e praticamente não aguardei para que a puxassem para mim. Segui até
uma mesa onde estavam duas recepcionistas e preenchi alguns dados.
— Peço que a
senhorita aguarde que, em breve, será chamada. – a recepcionista loira e muito
bem arrumada naquele terno elegante disse.
Provavelmente a
entrevista atrasaria. Faltava apenas dez minutos para as dez e eles sempre
estão muito ocupados para nos atender no horário marcado.
Diga a uma
pessoa ansiosíssima para esperar. Isso é péssimo! Quanto mais aguardo, mais
fico nervosa. Sentei-me em uma das poltronas pomposas do gabinete e analisei o
ambiente. Havia várias portas ali dentro. Uma direcionava para a copiadora,
outra para o refeitório, mais uma para o banheiro e mais duas sem placas
identificadoras.
Abri minha bolsa
(que costuma ser grande para caber tudo que preciso) e peguei meu livro sobre a
história das sociedades brasileiras, suas dificuldades sociais e o modo como
foram superadas.
Estava
concentrada, já tinha lido um capítulo inteiro, até que ELE abriu a porta e
acabou com todo o meu foco. Não tinha como não o notar por dois motivos:
entrara cumprimentando alegremente as recepcionistas e porque era LINDO.
Terno alinhado,
preto e impecavelmente limpo. Elegante, tão elegante que chegava a ser
superficial. Isso estava longe de ter sido uma crítica, apenas quero dizer que
nem ELE parecia confortável com toda aquela pompa. O jeito descontraído com que
entrara no aposento contrastou completamente com toda sua aparência externa. E
tenho que confessar que o interior me chamou mais a atenção. Aquele sorriso
bobo que brilhava, iluminando não apenas seus lábios, mais também seus olhos
que pareciam castanhos do mesmo tom de seus cabelos lisos. E seus fios pareciam
insistir em sair do lugar, ou da armadura, parecendo tão insatisfeitos como seu
dono.
E no auge da
minha admiração boba e infantil percebi que seus olhos pararam em mim assim que
se aproximou da bancada da recepção. Provavelmente notou que eu o olhava,
embora tenha tido a impressão de que ELE demorara mais do que o necessário me
olhando.
Entrou em uma
das salas sem identificação e não demorou nem cinco minutos para sair. Ótimo!
Seria péssimo ser entrevistada por ele. Seria mais um ingrediente para o meu
nervosismo.
…
A entrevista só
começou às onze e meia, ou seja, uma hora e meia de atraso! Imaginava que
atrasariam, mas não tanto. Uma funcionária chamada Lucy me entrevistou na
segunda sala sem identificação. Era a responsável pela parte burocrática do
setor (comunicação com as demais secretarias acerca dos projetos elaborados
pelo assessor daquele setor, entre outras coisas) e reforcei que precisava
muito fazer levantamentos a respeito das carências, dos tipos de projetos
feitos e tudo mais.
Terminamos de
conversar após trinta minutos e Lucy disse que ligaria até o final do dia para
informar se tinha ou não sido contratada. Saí do gabinete e caminhei pelo
corredor à procura de um banheiro. Segui as placas presas em quadros nas
paredes e cheguei a um obstáculo.
Havia um grupo
de pessoas conversando no corredor e parecendo nem se importar com quem
quisesse passar (eu, a única a querer passar naquele momento). Pedi licença e
ninguém pareceu notar. Não tinha falado baixo. Sei que poderiam muito bem ter
ouvido se parassem de se importar exclusivamente com seus umbigos.
— Compraram o
corredor?!
Cruzei os braços
sobre o peito e fiz esta linda pergunta. Em questão de segundos pelo menos
cinco pares de olhos viraram na minha direção e todos pareciam possuir o mesmo
sentimento: surpresa misturada a certo horror pela minha tremenda falta de
educação. Ah! Convenhamos! Eram eles os mal-educados. E percebi que o sexto par
de olhos pertencia a ELE, entretanto, não parecia haver tanto horror como nos
outros.
Passei por eles
e não foi difícil perceber que as mulheres estavam insinuando-se para ELE e o
outro rapaz no grupo. Quatro mulheres para dois homens. É! A horta estava bem
regada para aqueles rapazes! A atração física entre eles devia basear-se
exclusivamente na linda educação que tiveram em suas casas. ELE podia ser
lindo, mas tinha se tornado desprezível. Só porque trabalha no gabinete do
prefeito acha que pode monopolizar o corredor?!
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